Quinzena Macabra: O Mundo das Trevas

Resenha de O Mundo das Trevas – Livro de Regras do Sistema Storytelling (DEVWW55002, 222 páginas, R$ 55,00)

O Mundo das Trevas 01Sombras dentro de outras sombras

Em 26 de julho de 2003, a White Wolf anunciou o fim de seu Mundo das Trevas. Iniciado com Vampiro: a Máscara em 1991, seus últimos lançamentos publicados entre agosto daquele ano e março de 2004 revelaram segredos e possíveis conclusões ao metaplot das diversos jogos, num evento que ficou conhecido como Tempo do Julgamento. Mas esse não era o fim de tudo. No dia 21 de agosto de 2004, o lançamento dos livros básicos O Mundo das Trevas e Vampiro: o Réquiem deu início a um novo Mundo das Trevas que, embora baseado em certos conceitos e experiências exploradas no decorrer dos treze anos do original, busca apresentar novas perspectivas aos temas abordados em seu cenário.

O primeiro diferencial em relação à antiga linha diz respeito às regras básicas. Enquanto anteriormente cada módulo básico apresentava sua própria apropriação do sistema Storyteller, agora todos os básicos das linhas que formam o cenário – Vampiro: o Réquiem, Lobisomem: os Destituídos, Mago: o Despertar, etc – remetem às regras presentes em O Mundo das Trevas – Livro de Regras do Sistema Storytelling (tratado como O Mundo das Trevas daqui em diante). Se por um lado torna necessária a compra de dois livros para começar uma partida de Changeling: the Lost, por exemplo, também evita a repetição de informações a cada novo jogo adquirido, abrindo mais espaço para o desenvolvimento de seus aspectos específicos. Além disso, O Mundo das Trevas enfoca a criação em detalhes de personagens mortais e algumas das possibilidades narrativas que oferecem.

O livro começa com um conto introdutório, marca registrada dos jogos da White Wolf. A partir da transcrição do relato interceptado da jornalista J. Archer, o leitor vislumbrará um pouco do mundo que o espera nas páginas seguintes. A apresentação do texto, cheia de trechos perdidos, orações interrompidas abruptamente, marginalia desconexa e fotografias esfumaçadas, auxilia na criação de uma atmosfera adequada ao cenário, fortalecida por uma narrativa que, apesar da aparição de vários elementos relacionados ao sobrenatural, evita qualquer explicação mais detalhada.

No Capítulo 1: A história secreta, alguns dos aspectos constitutivos das histórias no Mundo das Trevas são abordados, O Mundo das Trevas 02como por exemplo seu tema (mistério sombrio), tom (pavor), atmosfera (simbolismo macabro) e cenário (uma versão mais sombria do nosso próprio mundo), além de seções dedicadas ao resumos das regras, criação de personagens e um glossário. A grande sacada desse capítulo foi entremear cada texto explicativo com breves contos, expostos como relatos de pessoas que entraram em contato com alguns dos mistérios do mundo. “A Voz de um Anjo”, em particular, despertou meu interesse por algumas ideias ousadas. Como ler “…um demônio que concordou em prestar certos serviços em troca de sacrifícios de sangue” e não cogitar alguma ligação com as execuções institucionalizadas decorrentes da pena de morte, além da relação apresentada entre bombas de Hiroshima e a viagem à Lua e o tal pacto estado-unidense com este membro da segunda prole? Os símbolos nas bordas da página, acompanhando a extensão do conto em referência ao deus-máquina, aumentariam ainda mais o impacto caso fossem acompanhados de belas ilustrações, o que infelizmente não foi o caso.

Os próximos seis capítulos discorrem detalhadamente sobre cada um dos aspectos da construção dos personagens. Divididos entre Mentais (Inteligência, Raciocínio e Perseverança), Físicos (Força, Destreza e Vigor) e Mentais (Presença, Manipulação e Autocontrole), as características inatas dos personagens são o tema do Capítulo 2: Atributos. Em relação aos do Storyteller, apresenta uma nova subdivisão entre Poder (Inteligência, Força e Presença), Refinamento (Raciocínio, Destreza e Manipulação) e Resistência (Perseverança, Vigor e Autocontrole), de acordo com o tipo de ação a ser realizada.

O Capítulo 3: Habilidades aborda as características adquiridas pelo personagem no decorrer de sua vida, seja por origens, treinamento ou estudo. Assim como os atributos, as oito Habilidades são divididas entre Mentais, Físicos e Sociais. Quando realizada por alguém sem conhecimento específico, uma penalidade de -3 é aplicada aos testes das primeiras enquanto uma de -1 aos das segundas e terceiras. Tanto atributos quanto habilidades são ilustrados por uma pequena peça de ficção, apresentando exemplos de testes de ações que envolvam a característica.

Os aspectos capazes de diferenciar os mortais entre si são abordados no Capítulo 4: Benefícios, desde aqueles que oferecem vantagens diretamente em feitos físicos, como Defesa, Deslocamento, Tamanho e Vitalidade, até os que determinam as condições psicológicas e mentais dos personagens, tais como Força de Vontade, Iniciativa, Moralidade, Perturbações e Vícios e Virtudes, estas duas últimas apresentando uma bem-vinda mudança em relação às enormes listas de Arquétipos de Personalidade do Storyteller. Apesar de à primeira vista os sete vícios e virtudes parecerem restritos e ancorados em preceitos cristãos, sua aplicação baseada na moral seguida pelo personagem garante uma maior abrangência e possibilidade de particularização, chegando mesmo a sugestões quanto a nomes alternativos ou possíveis mudanças.

Adquiridas durante o processo de criação de personagem ou com pontos de experiência do decorrer de uma crônica e divididas entre Mentais, Físicas e Sociais, as Vantagens são abordadas no quinto capítulo. Oferecem elementos adicionais para individualizar ainda mais os personagens por meio de incrementos a outras habilidades, tais como o bônus no Tamanho por ser Gigante e na Iniciativa pelos Reflexos Rápidos, ou em determinadas ações, como no caso das manobras de combate possíveis pelos diferentes estilos de luta.

Baseado num simples teste envolvendo duas habilidades, geralmente um O Mundo das Trevas 03Atributo e uma Habilidade, somadas a modificadores positivos e negativos contra uma dificuldade fixa de 8, o sistema Storytelling possibilita uma série de complicações adequadas às necessidades e abordagens das crônicas. Tais possibilidades são tratadas de modo mais amplo no Capítulo 6: Sistemas Dramáticos, abordando desde os diferentes tipos de ação até detalhes envolvendo perseguições e acidentes de carros, e de forma mais específica no Capítulo 7: Combate, que além das diversas condições na qual um confronto pode ocorrer detalha o sistema de vitalidade e os efeitos da exposição do corpo a condições adversas como extremos de temperaturas e venenos.

Dentre as novas mecânicas apresentadas vale destacar regra conhecida como “Explosão do 10”, que possibilita ao jogador rolar mais uma vez os dados que resultarem em 10 – armas mais letais tornam possível o mesmo com resultados iguais a 9 – e o “Teste de Sorte”, que ocorre quando os modificadores negativos são tais que a parada de dados do jogador é zerada, podendo ele desistir da ação ou arriscar jogar um único dado contra a dificuldade 10. Qualquer resultado entre 9 e 2 será considerado uma falha, enquanto 1 resultará em uma Falha Dramática, o pior resultado possível numa jogada e que só ocorre em Testes de Sorte. Caso seja bem-sucedido, poderá mesmo jogar novamente o dado, valendo a “Explosão do 10”.

Finalmente o interessante Capítulo 8: Narrativa encerra o livro com dicas preciosas – e muitas vezes ignoradas – aos narradores sobre como conduzir histórias focadas em personagens mortais que, pouco a pouco, descobrem que o mundo guarda mais segredos do que aparenta. Além de discorrer sobre elementos envolvidos na narração e elaboração das histórias, apresenta uma seção específica voltada à condução de histórias preliminares, com um guia passo a passo sobre como adicionar aos poucos indícios sobre a existência do sobrenatural á vida dos personagens. O capítulo apresenta uma lista de antagonistas mais comuns de aparecerem em uma história, divididos entre Animais, Não-combatentes e Combatentes, além de uma seção dedicada aos tipos mais comuns de fantasmas e as regras que os regem. As regras referentes ao funcionamento dos Pontos de Experiência e uma regra opcional para Desvantagens, características que prejudicam os personagens de algum modo mas são capazes de oferecer pontos adicionais por sessão de jogo toda vez que afetarem adversamente seu portador durante a história, finalizam o capítulo.

O Mundo das Trevas 04Além de regras básicas aos outros jogos do cenário, O Mundo das Trevas oferece a possibilidade de explorar envolventes e horripilantes mistérios na perspectiva de uma pessoa comum, cercada por monstros e entidades além da compreensão. Com regras fáceis e padronizadas e escrito de forma fluida e agradável, O Mundo das Trevas – Livro de Regras do Sistema Storytelling é altamente recomendado aos fãs do horror em suas diversas facetas. Após um longo período fora de catálogo, o livro foi reimpresso pela Devir e está novamente à venda, já assimilando as correções de sua mais recente errata e com algumas mudanças em seu visual.

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